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Rutemara Florencio

ALUNOS DO ENSINO MÉDIO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE POLITICA E ENSINO DE HISTÓRIA
Rutemara Florencio
Prof. Ms. Estácio de Sá

A proposta deste trabalho é relacionar a disciplina e ensino de História com a formação de juízos de valor e representações dos alunos do Ensino Médio da escola pública sobre o tema “política”. Desde que a História adquiriu status cientifico que a questão “política” ou as relações políticas predominam na construção do fato e do conhecimento histórico, principalmente nos materiais didáticos enviados as escolas públicas pelo Estado.
A Escola dos Annales, movimento originado em Marc Bloch e Lucien Febvre na primeira metade do século XX e que significou uma abertura temática na construção do conhecimento histórico, trouxe para a área da História a inserção de temas que antes não eram abordados pelos pesquisadores pois, nessa nova perspectiva, a Sociologia teria uma relação interdisciplinar com a História, favorecendo aos historiadores abordarem outras histórias que não apenas a história ligada as relações de poder na sociedade. Entretanto, por mais que os Annales tenham modificado (em partes) a estrutura conceitual e metodológica da abordagem historiográfica, ainda assim o que mais observamos nos materiais enviados para escola pública hoje, na segunda década do século XXI, é a abordagem política da História.
O fato dos livros didáticos estarem relacionados preferencialmente com a temática “política” é justificado pelo currículo que orienta a disciplina de História e sua prática pedagógica justamente para esse aspecto da vida social. Pacheco (1996) observa que o currículo não só orienta como é uma prática pedagógica cheia de intencionalidades onde estão os fundamentos da estrutura econômica, política e social. Assim, essa tendência é explicita na lei (LDB 9.394/96) nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (2010) enfatizando para a educação que formem cidadãos ativos e participativos, cientes de seus direitos e deveres.
Nadai (2011) observa que o professor de História tem uma responsabilidade política impregnada em suas práticas e que essas são contributos para exercício e aprendizado da cidadania. O predomínio da História política nos livros escolhidos e utilizados pelos alunos e professores de História na escola pública onde foi feita esta pesquisa mostra que a disciplina de História é orientada tanto no ensino quanto na aprendizagem a partir dessa temática. Nesse contexto, representações sobre a disciplina são construídas e ao mesmo tempo, significados são dados aos processos políticos, resultando na formação de juízos de valor sobre os sujeitos da História e a própria disciplina escolar.   
Florencio (2011) observou em pesquisa com alunos do Ensino Médio que os mesmos consideraram o tema “política” adequado ao perfil da disciplina de História, porém manifestaram a necessidade de que a História na escola abordasse aspectos mais diversificados da vida dos personagens históricos tornando-os mais próximos das pessoas comuns. Considerando a relação entre a História pública ou política e a História privada, os indicativos das falas dos pesquisados mostraram uma concepção um tanto depreciativa da disciplina de História uma vez que, para eles, nos livros só existe a versão “certa” da História. Apesar das falas apresentarem reclamações sobre a escrita dos livros didáticos de História e do próprio ensino de História devido a ênfase no aspecto político da vida social, os alunos pesquisados consideraram que estudar a História Política é importante para todos e necessária para se conhecer a trajetória tanto do Brasil quanto das outras nações.
Mary Del Priore, no livro A Carne e o Sangue (2012), estabelece uma relação entre público e privado ao mostrar que as relações pessoais da monarquia lusitana eram totalmente atreladas a política: os casamentos entre as casas reais eram motivados totalmente por ela. Além disso, a autora mostra que a mais famosa amante de D. Pedro II, Domitila, usava sua influência junto ao príncipe para realizar arranjos políticos a quem pagasse por isso. Tal circunstancia histórica exemplifica que em História não há como tratar dos aspectos sociais da vida sem que a “política” esteja presente. Mas será que os alunos da escola pública compreendem que o ser humano é um ser político e que, na História, as relações de poder (mesmo as de âmbito privado) também podem ser relações políticas?
Em 2015 passamos por mais um processo eleitoral e a mídia, de forma geral, foi o meio mais utilizado para se coletar informações a respeito da política nacional, discutir ideias e propostas dos candidatos e assistir as campanhas dos partidos. A força dos veículos de comunicação promove, juntamente com os currículos escolares, a construção de representações sociais sobre Estado e Política. O envolvimento da população (de forma mais intensa em período de eleições) com a política, intensificado pelo uso da internet, nos coloca uma problemática: Qual a importância do tema “Política” para os alunos do Ensino Médio? De que forma o ensino de História interage com os conhecimentos sobre política já adquiridos em outros grupos por esses alunos/cidadãos? Tais questionamentos são importantes pois, como professores de História, somos responsáveis pela construção dos saberes escolares e também pela forma como esses saberes são significados pelos alunos. Além disso, o conhecimento da vida política não se faz apenas na escola já que os meios de comunicação, famílias e igrejas também abordam o tema.
 A interação de diversos elementos que compõem o universo da linguagem e comunicação favorece a construção de representações sobre a temática “política” uma vez que essas representações são meios pelos quais interpretamos o mundo e o significamos sem que, necessariamente, essas representações sejam construídas a partir do conhecimento cientifico. Serge Moscovici, (2009, p. 169) autor da teoria das representações sociais, observa que as representações modelam comportamentos, juízos de valor e visão de mundo e que isso tem consequências “(...) para as relações entre as pessoas, para as opções políticas, para as atitudes com respeito a outros grupos e para a experiência do dia a dia”.
Desse contexto, isolemos “opções políticas” para relacionar com a pesquisa que aqui é discutida e observemos que as opiniões dos alunos sobre política e políticos é fortemente influenciada pelas interações sociais externas aos muros da escola. Moscovici (idem, p. 175) observa que “(...) quase tudo o que uma pessoa sabe, ela o aprendeu de outra, seja através de suas narrativas, ou através da linguagem que é adquirida, ou dos objetos que são empregados”. Assim, podemos inferir que, se o aluno sofre influência decisiva do mundo externo à escola (lugar de difusão do conhecimento cientifico por excelência), a disciplina de História passa a ter papel fundamental tanto para cientificar o conceito “política” quanto para reflexão mais aprofundada das relações de poder que interferem diretamente na vida de todos e que, também constroem representações sobre os assuntos estudados como a História do Brasil, por exemplo.
Sabemos que existem mecanismos que tentam “medir” a aprendizagem, porém tal é subjetiva e complexa conforme observa Tardif (2002).  No contexto da disciplina de História, as significações dos conteúdos estudados são subjetivas pois não propomos aos alunos que “decorem” os fatos históricos ou que “aprendam política”, segundo nos mostra Hipólito (2005). Consideramos o aprendizado em História como de longo prazo com as representações e conhecimentos construídos coletivamente de acordo com o tempo de escolarização, as práticas pedagógicas e o currículo organizado pelo Estado. Desse modo, as relações de poder diretamente ligadas ao aspecto político da vida social fazem parte do cotidiano da disciplina de História mesmo que essa não aborde apenas fatos relacionados a construção de nações ou povos.
Os resultados da pesquisa mostram que na primeira pergunta relacionada a gostar ou não de política, respondida por 100 alunos, 48 disseram não se interessar por política sendo esses 35 do sexo feminino e 13 do sexo masculino: “a maioria das pessoas envolvidas com a política são corruptas”. Uma aluna, 17, 3º ano diz: “(...)não me atrai; rolam muitas mentiras, falsidades, fuxicos, roubos aos cofres públicos que acabam descontados nos impostos”. O maior motivo citado nas falas que justificam o não interesse pela Política está na corrupção, como mostram essas duas falas e mais 28 citações sobre a relação entre a política e corrupção. Observamos com isso que o noticiário a respeito da corrupção na política tem grande influência na opinião e juízo de valor desses alunos.
Para 52 alunos pesquisados, a política é algo que interessa sim e que está ligada à nossa vivencia cotidiana pois “(...) através dela que temos alguém para nos representar, para mudar o que está prejudicando a sociedade”. Duas alunas, 17 e 18 anos do 3º ano, manifestaram-se: “Questões políticas são sempre interessantes, pois tem relação com interesses da sociedade”; “(...) política, no meu entender, é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade tanto para o bem quanto para o mal”.  Os pesquisados mencionaram que a política é importante pois, faz parte da sobrevivência social, daquilo que mexe com a vida das pessoas.
A relação entre a temática política e disciplina de História foi abordada pelos alunos da seguinte forma: “a matéria explica sobre as guerras e História dos países; a política sempre faz parte e é muito influente nos temas abordados”. Uma aluna, 17, 3º ano diz que “É História, temos que estudar nossos antepassados, a política faz parte da nossa vida e a História explica com mais clareza a política de hoje em dia”. As falas mostram que os alunos compreendem a inserção da temática política na disciplina de História considerando a necessidade e importância da existência das relações de poder nos acontecimentos históricos. Schmidt (2013, p. 60) observa que “Na prática da sala de aula, a problemática acerca de um objeto de estudo pode ser construída a partir de questões colocadas pelos historiadores ou das que fazem parte das representações dos alunos (...)” Assim, conforme observa a autora, os alunos acima percebem a referência conceitual “política” nos fatos históricos (construídos pelos historiadores) e em suas existências cotidianas. Tal concepção permite observar uma conexão do presente-passado no aprendizado oportunizando aqui a construção da consciência histórica.

Referencias bibliográficas
BITTENCOURT, Circe. Identidade Nacional e Ensino de História do Brasil. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. p. 185-204
FIDELIS, Thiago. História Política, Ensino de História e Cidadania: Caminhos Entrelaçados. Caminhos da Educação, v. 3, p. 1-15, 2011
FLORENCIO, Rutemara. Recepção e Representações sociais: as minisséries históricas e a produção de significados para a disciplina de História por alunos do ensino médio. Rio de Janeiro, 2011, 120f (Dissertação) Mestrado em Educação. UNESA, Universidade Estácio de Sá, 2011
FONSECA, Tania. História e Ensino de História. Belo Horizonte – MG. Autentica, 2003
FRONZA, Marcelo. RIBEIRO, Renilson Rosa. Aulas de História: a formação de alunos-leitores de mundo na Contemporaneidade. Espaço Pedagógico, v.21, p. 304-317, 2014
HIPOLITO, Paulo. História e Poder político: Perspectivas para o Ensino de História. Anpuh, anais XIII.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais. Petrópolis-RJ: Vozes, 2009
PRIORE, Mary Del. A Carne e o Sangue. Rio de Janeiro-RJ. Rocco, 2012
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A Formação do Professor de História e o Cotidiano da Sala de Aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2013.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo, Scipione, 2010
TARDIFF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ. Vozes, 2002


2 comentários:

  1. Cara Rutemara;
    você pensa que essa demostivação política tem relação com a formação escolar da ditadura, ou mesmo, dos anos 90?
    estamos despreparados pra discutir politica?
    obrigado
    Rivaldo

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    1. Olá Rivaldo. Eu penso que, os alunos (assim como grande parte da sociedade brasileira) está decepcionada com o que os politicos profissionais veem fazendo com o Estado ao longo da história nacional (eu não ligaria isso a uma ou outra década mas, sim, a um contexto de formação da República). Veja bem, quando li o livro da Mary Del Priore, onde ela fala sobre a amante do monarca tendo um certo "poder politico" para interferir junto a D. Pedro, pedindo em troca, um tipo de "propina", pensei em como tais práticas estão impregnadas no poder como um todo. Infelizmente isso afeta muito mais a população do que podemos supor e nos remete a compreender que, independente da época, o Brasil se formou sobre uma ética que relativiza o certo e o errado, dependendo das circunstâncias. Então, é lógico que isso reflete na forma como nós, povo, vemos as instituições do Estado e, inevitavelmente, ao associarmos a corrupção dos servidores públicos em beneficio próprio, fica muito complicado mudar as representações que estão ancoradas e cristalizadas tanto no individuo quanto no coletivo. Por mais que, novos elementos surjam no contexto politico, velhas práticas estão cada vez mais na berlinda e isso desfavorece a ligação do individuo com a questão politica no nosso país. Agora, não podemos negar que, um país formado a partir da subserviência de um grande número de pessoas que não tinham a quem recorrer contra os desmandos dos donos da terra, colaborou e muito para nossa forma de enxergar as coisas e a politica: não adianta reclamar porque nada muda... ou, corrupção é parte da politica e não tem jeito de sair (falas dos alunos). O fato de uma das representações sobre o povo brasileiro ser "pacifico" é uma amostra de como nos comportamos em relação ao que um pequeno grupo de políticos (que detêm o poder do Estado) faz contra nós: não nos importamos e chegamos até a defender os corruptos se, tiverem sido "bons" para nós em alguma coisa. Enfim, não se pode atribuir a indiferença dos alunos em relação a politica somente ao contexto de ditadura recente ou da redemocratização mais recente ainda: é um fator cultural e representativo que está no amago da formação nacional. Obrigada pelo seu interesse... (No 7º paragrafo, ao dizer "2015", eu quis dizer "2014".. saiu errado e eu não percebi).

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