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Rebecca Silva

COMO OS ALUNOS APRENDEM HISTÓRIA?
Rebecca Carolline Moraes da Silva
Mestranda em Educação UEL

Este texto aborda uma breve reflexão contida em apenas um dos tópicos de uma pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, que tem como intenção investigar as ideias históricas de alunos do ensino médio a partir do trabalho com o filme “O menino do pijama listrado” (2008) em sala de aula, pela metodologia da aula-oficina. Tal tópico versa sobre o panorama teórico que embasa a construção desta pesquisa, que tem seu aporte teórico na linha de pesquisa da Educação Histórica, partindo assim da perspectiva de que os processos de ensinar e aprender dentro de uma sala de aula não são automáticos – ou seja, o aluno exerce papel ativo.
Tendo isso em vista, Siman (2005) aponta que nossos alunos desde muito cedo começam a formar seus conhecimentos a partir de suas interações com a sociedade ao seu redor. Da mesma maneira, cada um está inserido em determinado contexto que traz consigo uma cultura histórica. Assim, a partir dessas interações, começa-se a formação da consciência histórica e os conhecimentos prévios (ou conhecimentos tácitos) deste indivíduo.
Isabel Barca, citada por Grendel (2005), afirma que todo conhecimento se origina a partir dos conhecimentos prévios carregados pelos alunos, e que isto deve ser levado em conta se queremos chegar ao conhecimento científico com os mesmos (cf. BARCA apud GRENDEL, 2005, p. 05). Grendel (2005) ainda coloca que
os conhecimentos prévios de história estão constituídos por um conjunto de teorias e noções sobre o mundo social, que alunos, professores, historiadores e pesquisadores construíram em suas próprias interações sociais. Esses saberes, mediados pela ação dos sujeitos (alunos e professores), são reconstruídos e constituem os saberes históricos escolares. (GRENDEL, 2005, p. 05).
Schmidt e Cainelli (2004) afirmam que o conhecimento do aluno deve ser respeitado e valorizado, pois é o conjunto de representações que ele já construiu sobre o mundo em que vive e, assim, são o mundo em que vive – por isto é importante ter como ponto inicial dos trabalhos os conhecimentos prévios dos alunos; tais conhecimentos devem dar significado aos conteúdos históricos trabalhados. Além disto, devemos ter em mente que o aluno é ativo em sala de aula e efetiva suas próprias ideais sobre o mundo social, não sendo meramente um receptor passivo das informações trazidas pelo professor (cf. SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 61-62).
Em relação à consciência histórica, Rüsen (2011) pontua que a a aprendizagem histórica é “a consciência humana relativa ao tempo, experimentando o tempo para ser significativa, adquirindo e desenvolvendo a competência para atribuir significado ao tempo” (RÜSEN, 2011, p. 79). Com isso, entende-se que a aprendizagem histórica é relativa ao desenvolvimento da consciência histórica; esta, por sua vez, pode ser sintetizada, grosso modo, como a compreensão do presente a partir do estudo do passado para, assim, projetar as ações futuras.
O autor também argumenta que todo pensamento histórico é uma articulação da consciência histórica. Esta é a realidade “[...] a partir da qual se pode entender o que a história é, como ciência, e por que ela é necessária”. Trata-se de um “fenômeno do mundo vital”, uma forma de consciência humana intrinsecamente ligada ao cotidiano e à vida prática, com a qual os homens interpretam a experiência temporal de seu mundo e de si mesmos, de tal maneira que possam orientar sua vida prática no tempo (cf. RÜSEN, 2001, p. 56-57).
Assim, tem-se que a consciência histórica “[...] seria a forma como os homens passam a entender as suas experiências de vida e as mudanças do mundo na evolução do tempo, para que possam se orientar, cotidianamente, na vida prática” (SANTOS, 2014, p. 41).
Tendo isto em vista, Rüsen (2011) pontua que a consciência histórica opera a partir da memória, aproximando as três dimensões do tempo (passado, presente e futuro), possuindo como finalidade a orientação temporal na vida prática dos indivíduos. Considerando que aprender é um processo dialético de construção de conhecimento, que envolve os conhecimentos que o indivíduo já possui aliados aos novos conteúdos que são apropriados e reelaborados, resultando em um novo conhecimento, o autor considera que a pessoa que aprende é transformada.
Nesta perspectiva, a aprendizagem histórica tem como objeto de conhecimento a própria história, os acontecimentos do passado, os processos de mudança do tempo que obtém sentido pelo sujeito, recebem uma significação que serve como base para “uma compreensão de si mesmo assim como a sua orientação no tempo” (RÜSEN, 2011, p. 82). Conforme o autor, esse processo de aprendizagem é caracterizado por um duplo movimento: primeiramente a “subjetivação do objeto” que é a aquisição de experiência no tempo, ou seja, o estudo dos acontecimentos do passado e, em segundo lugar, a “objetivação do sujeito”, que significa a submissão do indivíduo a este novo conhecimento, o que acontece, como já mencionado, de maneira dialética – o sujeito não apenas reproduz o que foi ensinado a ele, mas o aprendizado do que está no passado agora faz parte de seu presente e pode ser observado na documentação e evidências que marcaram tal tempo (cf. RÜSEN, 2011, p. 82-83).
Levando estes pontos em consideração, tem-se que a aprendizagem histórica se dá a partir do desenvolvimento da consciência histórica e, conforme Rüsen (2011), envolve três operações: experiência, interpretação e orientação. Ou seja, para este autor, a aprendizagem histórica se realiza pelo aumento do conhecimento sobre os acontecimentos do passado, a significação destes a partir da interpretação e pelo desenvolvimento da “capacidade de aplicar estes significados históricos aos quadros de orientação da vida prática” (RÜSEN, 2011, p. 84). Aqui cabe pontuar o que este autor define para cada operação envolvida na aprendizagem histórica.
Conforme Rüsen (2011), o aumento da experiência sobre o passado humano é uma das características da aprendizagem histórica. Parte-se do entendimento de que o passado é um tempo diferenciado do tempo presente e, ainda, que o passado tornou-se o presente; é a percepção dessa diferença de tempo que deve ser o centro da abordagem da história, para que o estudo do passado adquira sentido para o sujeito (cf. RÜSEN, 2011, p. 85).
Também, a aprendizagem histórica envolve o aumento da capacidade de interpretação, de atribuição de significados ao passado. Essa é uma característica importante, pois é o momento em que o indivíduo pode refletir sobre o conhecimento apropriado e criar uma argumentação em cima dessa reflexão. Assim, vai-se em direção de uma concepção de aprendizagem que permite a transformação do conhecimento histórico a partir da argumentação, do questionamento (cf. RÜSEN, 2011, p. 86-87).
Por fim, a terceira operação que a aprendizagem histórica abrange é o aumento na competência da orientação na vida prática. Por esta característica, o aprendizado deve constituir sentidos voltados para a organização e orientação da vida do sujeito no que diz respeito aos processos do tempo, “os quais transformam as pessoas e seu mundo” (RÜSEN, 2011, p. 88). Desta maneira, os sujeitos podem perspectivar seu futuro sustentados numa argumentação historicamente consciente.
Assim, na perspectiva rüseniana, tem-se que a aprendizagem histórica deve ser significativa para os estudantes, tendo como finalidade a orientação temporal, esta ancorada nas experiências e interpretações do passado. Aliam-se, portanto, conhecimento, significado e orientação, o que pode ser descrito como a “habilidade de reconhecer a historicidade de si mesmo e do próprio mundo como uma oportunidade para agir” o que leva “os sujeitos  abandonar a restrição advinda dos pontos de vista autoritários, e possibilitam aos mesmo conhecer as perspectivas sobre a vida voltadas para a liberdade de pensamento sobre os pontos de vista” (RÜSEN, 2011, p. 89).

Referências
GRENDEL, Marlene Terezinha. Os conhecimentos prévios no ensino de História: uma experiência. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005.
O Menino do Pijama Listrado. Direção: Mark Herman. Produção: Heyday Films. 2008. 94 min.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.
RÜSEN, Jörn. Experiência, interpretação e orientação: as três dimensões da aprendizagem histórica. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. MARTINS, Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 79-91.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo, Scipione, 2004.
SIMAN, Lana Mara. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da História. In: Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez., 2005.
SOUZA, Éder Cristiano. Cinema e educação histórica: jovens e sua relação com a história em filmes. Curitiba, 2014. 358 f. Tese (Doutorado em Educação) – Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2014.


5 comentários:

  1. Olá Rebecca,
    Parabéns pelo seu texto. Também trabalho com os escritos de Rüsen e acredito que seu texto está bastante elucidativo.
    Gostaria de perguntar sobre sua pesquisa: como você pensou no filme "O menino do pijama listrado" como contributivo para a aprendizagem histórica e, assim, para a orientação na vida prática?

    Obrigada pela atenção,

    Giovana Maria Carvalho Martins

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    1. Olá Giovana, obrigada pela leitura.

      A escolha do filme se deu pensando na questão da alteridade. No filme, o "outro" é o judeu, mas na vivência em sociedade temos muitos "outros", o que torna a temática muito pertinente de ser trabalhada em sala de aula.

      Agradeço pelo comentário!
      Rebecca Carolline

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  2. Olá Rebecca muitas vezes filmes com temáticas históricas são entendidos pelos alunos como uma reprodução "verdadeira" e definitiva dos fatos históricos. Que encaminhamentos você esolheu para a sua pesquisa para evitar que isso aconteça?
    Elizabete Tomazini

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    1. Boa tarde Elizabete, obrigada pela leitura.

      Ainda estou elaborando a fase do trabalho de campo de minha pesquisa. Tenho pensado - e também pela criação dos instrumentos de pesquisa - primeiramente em buscar qual é o pensamento dos jovens estudantes em relação ao cinema, ou seja, primeiro quero saber qual a visão deles sobre um filme histórico, para assim perceber qual encaminhamento deverei tomar e quais estratégias usar para que os alunos entendam por si mesmos que os filmes históricos não conseguem Reproduzir a História, apenas representá-la a partir de uma interpretação, de um ponto de vista.

      Agradeço pelo comentário!

      Rebecca Carolline

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  3. Boa Tarde Rebecca,
    Com base nos seus estudos teóricos acerca da consciência Histórica de um indivíduo, você considera essa consciência como algo que pode ser transformado? E quais caminhos nós enquanto professores de história podemos tomar para que nossos alunos desenvolvam uma consciência histórica mais multiperspectivada de si mesmos e do mundo?
    Grata,
    Prisciéle Maicá Silveira

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