CONFLITOS:
DISPUTAS ENTRE NARRATIVAS E SENTIDOS NA RELAÇÃO ENTRE CULTURA E CONSCIÊNCIA
HISTÓRICA EM UMA PESQUISA COLABORATIVA NO IFPR (CAMPUS CURITIBA)
Thiago
Augusto Divardim de Oliveira
Prof.
Adj. IFPR/Curitiba
No campo de discussão da
educação histórica como parte da didática da história, já existe uma tradição de
pesquisas que proporcionaram encaminhamentos metodológicos reconhecidos como a
aula-oficina (BARCA, 2004). Pouco tempo depois, as necessidades da práxis
levaram a professora pesquisadora Lindamir Zeglin Fernandes ao desenvolvimento
da proposta da Unidade Temática Investigativa (FERNANDES, 2004. Ver também: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/158-4.pdf).
Mais recentemente tem sido possível perceber publicações que utilizam o
conceito “burdening history” (história pesada) (BORRIES, 2011), como é possível
perceber no trecho a seguir:
Ademais, para Borries,
a aprendizagem histórica inclui o processo de conflito e o de mudança, como
modo de atuação em relação à consciência histórica e, envolver-se com a
história pesada é um trabalho mental e uma atividade intelectual da consciência
história. Este envolvimento não apresenta matiz positivo e se torna incompleto
em determinadas situações, como quando se toma a história pesada como sinônimo
de histórias conflituosas e de vendetas; como história dos conquistadores (do
cinismo do poder); como a história dos perdedores ou “underground history”.
Ainda, para o autor, este envolvimento é muito complexo, pois as pessoas
necessitam de experiências de relacionar-se com o outro e continuarem juntos e
isto envolve, além da indubitável e necessária análise de eventos históricos e
suas interpretações, um processo de tomar distância do nosso próprio passado e
do outro, sem esquecer, cada um, de sua própria história, com o objetivo
precípuo de buscar condições e chances para um futuro comum, a despeito de
histórias que sejam conflituosas. (SCHMIDT, 2015 p. 15 – 16)
O conceito de Burdening
History apresenta-se de maneira interessante para as pesquisas e os
encaminhamentos da didática da história em situações de sala de aula, no
entanto, as discussões a respeito desse conceito ainda são iniciais, como
apontou Schmidt (2015). Sem o objetivo de criar mais uma possibilidade
metodológica, mas instigados pelas discussões teóricas, pelas pesquisas da área
e pela experiência da sala de aula, pretendemos discutir algumas possibilidades
de relação entre uma pesquisa empírica realizada em 2014 no Instituto Federal
do Paraná (Campus Curitiba) e discussões do campo da teoria da história que
poderão dar alguma contribuição para o que temos pensado como educação
histórica ou didática da história na perspectiva da práxis.
O objetivo foi discutir a
partir de enunciações ocorridas em uma aula de História elementos que se
relacionam ao paradigma narrativo da práxis histórica (RÜSEN, 2001), deslocando
e analisando enunciações dos alunos como expressão da consciência histórica,
portanto uma relação temporal presente – passado – presente – futuro, e que
evidenciam aspectos políticos, culturais e éticos nas formas de atribuição de
sentido a experiência humana no tempo. Além dos aspectos das enunciações
individuais pretende-se apontar elementos da relação entre a enunciação da
consciência histórica e os elementos da cultura histórica possíveis de serem
percebidos no presente.
Metodologia
No ano de
2014 realizamos uma investigação com a metodologia da pesquisa colaborativa na instituição em que trabalho (Instituto
Federal do Paraná – Campus Curitiba) com um colega da disciplina de História. A
proposta foi possível porque essa instituição oferece as condições materiais e
intelectuais necessárias para explorar profundamente a proposta de investigação
colaborativa e autonomia aos professores em relação ao trabalho em sala de
aula. De acordo com Ibiapina (2008), algumas recomendações básicas
necessariamente precisam ser seguidas. A síntese dessas recomendações podem ser
pensadas da seguinte forma:
1. O planejamento e elaboração de projetos que possibilitem o aprendizado
da própria investigação colaborativa; 2. Levantamento inicial da
disponibilidade e interesse dos prováveis envolvidos. Esse momento deve
envolver a negociação de tempo disponível para encontros relacionados a outras
etapas básicas; 3. Permitir que outros possíveis interessados possam participar
ao longo do processo; 4. Criar condições
para o aprendizado dos envolvidos. 5. Criar um cronograma de trabalho que leve
em consideração o processo de retroalimentação com base nas reflexões e ações.
6. Esperar que o processo funcione respeitando o princípio epistemológico de
que não existem erros pois todo o processo é que possibilita a produção de
conhecimentos (IBIAPINA, 2008 p. 15-16 adaptado).
A proposta
de campo empírico no IFPR – Campus Curitiba foi pautada em uma relação orgânica
entre a proposta da pesquisa colaborativa, e pressupostos epistemológicos que
faziam parte da pesquisa de doutorado a que o presente trabalho está
relacionado. Além disso, os possíveis
resultados dessa pesquisa podem ter relevância para outros institutos federais.
Isso não significa pretensão de alcançar resultados iguais ou semelhantes em
outras possíveis pesquisas, mas a relevância justifica-se pelas condições de
trabalho e regimento que são únicas na rede de IF’s. Por exemplo, todos os IF’s
possuem 50% de cotas para estudantes de escolas públicas (em 2014 a seleção
abriu 80% de cotas sociais) respeitando a leitura étnica do senso mais recente;
os professores da rede possuem o mesmo plano de carreira e condições de
trabalho que permite e incentiva o trabalho intelectual e o domínio da própria
ciência; é prevista a autonomia de trabalho dos professores como intelectuais
uma vez que os Institutos Federais são de acordo com a lei nº 11.892, de 29 de
Dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, como instituições equiparadas as Instituições Federais de Ensino
Superior. Dessa forma o que vale para um IF no que diz respeito a regimento
interno vale para outros campi da mesma instituição.
Além disso,
de acordo com Ibiapina (2008) na pesquisa colaborativa se amenizam dicotomias
entre pesquisador e docente, entre teoria e prática, entre pesquisa e ação. O
que não significa que as diferenças precisem ser amenizadas, pois os envolvidos
podem ter concepções diferentes sobre assuntos que estejam envolvidos na
intervenção colaborativa, mas precisam estar abertos ao dialogo e dispostos a
negociar. Nesse caso, mais uma vez o IFPR – Campus Curitiba apresentou-se como
campo empírico potencial, pois todos os professores que dividem comigo a
disciplina de História fizeram pós-graduação na área da educação, no entanto,
as áreas de pesquisa foram diferentes, o que resulta em concepções
diferenciadas sobre o que se pretende com as relações ensino e aprendizagem em
história. Ademais, as experiências de cada professor de acordo com suas trajetórias
também são diferentes.
Gostaria
ainda de destacar um aspecto importante da pesquisa colaborativa:
A pesquisa colaborativa é prática que se volta para a
resolução dos problemas sociais, especialmente aqueles vivenciados na escola,
contribuindo para a disseminação de atitudes que motivam a coprodução de
conhecimentos voltados para a mudança da cultura escolar e para o
desenvolvimento profissional dos professores. (IBIAPINA, 2008 p. 23)
Nesse
sentido, uma investigação colaborativa se realizada no IFPR – Campus Curitiba
poderá colaborar para a identificação de práticas sociais passíveis de melhoria
no que se relaciona não só aos próprios professores (âmbito ao qual estamos
diretamente envolvido), mas também aos alunos, gerando a possibilidade da
apreensão heurística de preconceitos, compreensões políticas difusas, ou
qualquer tipo de ação que cause sofrimento ou exploração e que uma intervenção
relacionada ao ensino e aprendizagem histórica possa auxiliar na supressão do
sofrimento em direção à emancipação humana.
Depois
dessa apresentação da concepção metodológica é importante dizer que todas as
aulas observadas foram gravadas e a maior parte delas transcritas. Além da
gravação e transcrição, a observação colaborativa permitia a realização de
anotações no caderno de campo do pesquisador. Os elementos das aulas eram
discutidos em reuniões colaborativas entre os professores pesquisadores
envolvidos no projeto. Essas observações e discussões resultaram em dois
bimestres de pesquisa colaborativa realizada em uma turma de terceiro ano do
curso técnico em informática integrado ao ensino médio no ano de 2014.
As
discussões desse artigo estão relacionadas a alguns trechos de respostas de
alunos e alunas, em relação ao período final da disciplina de História no ano
letivo de 2014. O professor havia trabalhado com um livro de literatura
ambientado na ditadura civil-militar brasileira como parte das aulas e das
avaliações do quarto bimestre. A discussão seguinte foi realizada com base nas
respostas fornecidas pelos discentes a um questionários relacionado a pesquisa
em questão.
Conflitos
da cultura histórica
O subtítulo indica uma categoria
relacionada a uma possível e verificável existência de oscilações e diferenças
entre aquilo que os alunos ouviam em casa (da família) ou mesmo através da
mídia em geral e o que escutavam nas escolas a respeito do tema da ditadura.
Existem expressões semelhantes em
pesquisas de cunho quantitativo, por exemplo, quando se analisam dados
relacionados à pesquisa “Os jovens e a História na América Latina”.
A análise particular de cada país não destoa
sobremaneira da média geral, mas podemos encontrar algumas particularidades,
como o apoio mais intenso entre os alunos brasileiros à utilização de vias
militares, que obtiveram índice superior às alternativas cultural e histórica;
ainda assim, prevaleceram os meios pacíficos com base no diálogo internacional. (CEERI &
MOLAR, 2010 p. 165)
O caso brasileiro demonstra menor rejeição frente
às opções militaristas, o que não significa apoiá-las, mas, talvez, maior
superação das marcas das ditaduras militares que assolaram por décadas a
América Latina. (CERRI
& MOLAR, 2010 p. 170)
O conhecimento desses dados
influenciavam indagações para pesquisas qualitativas posteriores, nesse sentido
foi possível perceber que muitas vezes compreensões a respeito desse tema
estavam relacionados à uma cultura histórica familiar (alcançando expressões
nos meios de comunicação). Mesmo assim, depois dos estudos realizados ao longo
do bimestre os alunos e alunas realizavam escolhas a partir de um ponto de
vista que lhes permitiam algumas afirmações ou a geração de um sentido
histórico a respeito do tema.
Quando os alunos foram
perguntados sobre como narrariam naquele momento o período estudado, foi
possível perceber conflitos da cultura histórica, por exemplo, entre a narrativa
familiar e a escolar. Ainda assim, as narrativas permitem perceber a escolha de
um ponto de vista que é resultado de um processo de pensamento do indivíduo que
propõe uma resposta.
Ordem*
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Pergunta 3 - No 4º bimestre o professor de História
solicitou a leitura da obra “K. RELATO DE UMA BUSCA” de Bernardo Kucinski,
ambientada no período em que o Brasil foi governado por um regime militar.
Depois da leitura do livro, das aulas do professor e das discussões, e,
ainda, com base em conhecimentos obtidos dentro ou fora da escola, como você
contaria, agora, a história do regime militar?
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4
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Para
mim é difícil retratar esse fato da História Brasileira, pois há uma grande
diversidade de argumentos pró e contra o regime entre os meus familiares,
professores, colegas, etc. No entanto, com base no que aprendi com essas
pessoas, explicaria a época como uma fase de repressão, corrupção e
desigualdade, mascarada por um “milagre econômico”, uma falsa sensação de paz
e segurança, bem como enganoso progresso na infraestrutura.
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7
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3-
A partir dos conhecimentos adquiridos da leitura do livro e das discussões em
sala, pode-se entender que a ditadura se divide em duas partes, a boa e a
ruim; boa para aqueles que trouxe algum benefício, as vezes econômico, e ruim
principalmente a questão das torturas,opressões, indução ao que deveria ser o
certo porém não é, ou seja, pela violência gerada. Tendo referência as pessoas que sofreram com a ditadura é óbvio que
ela em si não foi boa e para os que não se prejudicaram nem nada ela pode ter
sido indiferente como outras forma de governo. Contudo, não tendo vivido este
período e por ter percebido que muito sofreram injustamente eu não gostaria
de viver um governo deste.
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9
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(...)
Pós discussões, ainda acredito em uma ditadura que omite fatos, opressora e com ideias de extrema
direita que o ambiente acadêmico ensina juntamente com frias estatísticas e
gráficos que não apresentam nada mais além de números sem expressões
humanitárias. Mas o livro expressa outro lado.
Os
livros devem ser utilizados como uma ferramenta para exprimir lados,
histórias e relatos que as instituições acadêmicas omitem por falta de tempo,
vontade e interesse. Além de incentivar uma leitura crítica e mais dinâmica
ao longo dos estudos.
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10
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O
regime militar é um período ainda nebuloso na história brasileira. Foi um
período de muitas torturas, onde pessoas eram sequestradas e muitas vezes
acabavam mortas quando tinham ideias contrárias às ideias ditadas pelos
militares.
Muitas pessoas
acham que o período foi importante para a o Brasil, pois existiram avanços
econômicos e políticos. Porém, na minha visão deixou um prejuízo emocional
muito grande que não vale a pena ser vivido novamente.
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Período
de opressões, com população alerta a uma revolta e ameaça comunista, onde a
classe média ficou muito confortável. Contudo, os opositores da ditadura
sofriam severas torturas que podiam acabar até mesmo com morte.
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12
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Dominação
militar, o jeito com que eram tratadas as pessoas, a divergência ideológica
que levava a exílios, torturas, e prisões. A ditadura militar foi um período
de evolução econômica, mas que implantou um barramento cultural e ideológico.
Pessoas de caráter político que não concordavam com ideais militares eram
feitas acreditar que estavam erradas.
No
resumo, a ditadura teve seu lado bom e ruim, porém não creio que seria um
tipo de governo a ser estabelecido novamente.
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14
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O
regime militar acordou a população que desde cedo já tinha uma chamada para
fazer a diferença emudecer pessoas frias e individualistas. Considero o
momento mais importante para a construção da política brasileira, a crítica e
a opinião se tornariam rivais dos militares e alvo de desejo dos militantes
dos corações dos que deram as suas vidas para a construção de um país mais
justo. Espero que não seja necessária novamente a morte de centenas de
pessoas para que a população abra seus olhos e lute por direitos já
prescritos.
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16
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Acredito
que o livro foi um facilitador no aprendizado da ditadura pois mostra o
sofrimento dos familiares de presos políticos mais claramente, auxiliando no
processo de aprofundamento do tema.
Entretanto,
como respondido previamente, buscaria manter um equilíbrio entre a visão da
família e a visão institucional da ditadura, caso eu fosse contar a história
do período para alguém.
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Foi
um período histórico no qual o Brasil foi governado por militares, mas com o
aval das instituições civis.
Em
que, como em outros regimes totalitários, o governo (estado) exercia um forte
poder de controle e repressão. Mas à la brasileira, porque não foram tantos
mortos (APESAR DE CADA VIDA SER IMPORTANTE). E que é gerador de discussões,
porque não se têm comprovações ou não se sabe o que aconteceu com as pessoas.
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18
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Que
de fato foi uma época muito difícil, trouxe muito sofrimento e medo. Porém
também desenvolveu um pouco o país. Mesmo assim, acredito que não foi
interessante para o país, independente do fim, uma vez que para esta existir
muitos direitos humanos foram desconsiderados.
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20
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A
ditadura teve grandes influências, para aqueles que tiveram contato direto,
ou desaparecimentos, torturas, mas no caso da minha família foi um período
como outros, como eles viviam em cidades pequenas quase não havia casos de
pessoas que sofriam com a ditadura.
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*As
respostas foram transcritas na mesma ordem que foram devolvidas ao pesquisador
após serem respondidas pelos discentes
Há uma característica comum
relacionada à oposição (que é majoritariamente simples e dualista – lado bom e
lado ruim; quem sofreu e quem não sofreu; o que escutava antes e o que aprendi
na escola) como apresentam algumas narrativas na tabela. Outro elemento a ser
observado é que existe uma maneira (talvez tradicional ou até canônica) de se
ensinar determinados conteúdos que podem até estar fixados como conhecimento
geral sobre a história na cultura histórica ampla, mas não significa que as
pessoas concordem com essa forma de narrativa.
Com isso, quero dizer que a
utilização de palavras como (repressão, tortura, morte, perseguição, ou a
apresentação de números relacionados às mortes e desaparecimentos) não
proporciona o processo de aprendizagem, que uma fonte histórica relacionada a
esses elementos mais comuns podem possibilitar. É o caso das enunciações de
alunos e alunas que passam a ter contato com a experiência de um outro sujeito,
de um passado de condições diferentes em relação ao seu presente, e que, ao
estabelecer essa relação através do pensamento que vai além da fonte, acaba por
preencher a nova experiência interpretada com sentidos de orientação. Esse
aprendizado, geralmente, aparece sob a forma de questões como “eu não gostaria
de viver”, ou um “não mais”, ou até um “ainda não” (RÜSEN, 2012 p. 99-112).
Mesmo assim, é interessante
destacar a existência de algumas ideias bastante sofisticadas, como o caso dos
direitos humanos ou do valor das vidas individuais, assim como a utilização de
termos atualizados com relação ao contexto atual da historiografia (tal como a
utilização do conceito Civil-militar) para se referir ao período. Ou ainda, levar em consideração a dimensão do
sofrimento humano no contexto, não apenas das pessoas que morreram ou foram
torturadas, mas também de seus familiares.
Nesse caso a utilização do livro
foi um objeto muito interessante e que vale a pena levar em consideração. Isso
também se relaciona à categoria da multiperspectividade. Apesar de não haver e
nem era essa a intenção, como já disse anteriormente, uma narrativa suprassumo
da cientificidade, a soma de elementos enunciados pelos discentes compõem uma
complexidade do passado estudado e das possíveis relações temporais que surgem
a partir daí. E, por fim, o
posicionamento que é resultante de uma escolha (geração de sentido a partir do
aprendizado histórico no presente). Como visualização pessoal através das
narrativas das disputas entre a estratégia retórica da orientação histórica e o
discurso político da memória coletiva.
Considerações
No âmbito das
discussões da “burdening history” (como historia pesada ou difícil) há
considerações sobre temas do passado que, no caso da Alemanha geram sentimentos
de culpa ou de vergonha, quando tratados no presente, mas que precisam ser
pensados e levados em consideração no processo formativo da consciência
histórica. Assim como essas discussões não proporcionam indicativos fechados
para o trabalho metodológico, também não gostaríamos de pensar essa discussão
como uma proposta encerrada. Ao contrário, podem ser essas algumas reflexões
que possam contribuir com o debate mais amplo sobre as relações de ensino e
aprendizagem em história.
A interferência da
“trama pública” (RÜSEN, 2014 p. 107-108) nas aulas de história. Questões
relacionadas à política, cultura, economia que concorrem na esfera pública
fazem parte das aulas de história gerando disputas por legitimidade entre
estratos da cultura histórica. Nesse sentido, por exemplo, as disputas entre a
cultura histórica familiar muitas vezes concorre com o conhecimento
compartilhado nas escolas. É preciso levar em consideração esses diferentes
componentes em uma aula se quisermos que o diálogo seja mais convidativo a
participação efetiva dos discentes
Mesmo assim seria possível
fazer uma consideração sobre o que tentamos buscar de novo nessa discussão.
Muito provavelmente seja algo que ocorre no dia a dia das salas de aula em
aulas de história pelo Brasil, mas tentamos sistematizar para contribuir com o
debate. A questão é que muitas vezes, pelo menos no Brasil, seja pela cobrança
dos exames de vestibulares, do ENEM (Exame Nacional do ensino Médio), ou de
coordenações pedagógicas e secretarias de educação, somos confrontados como
professores com uma necessidade de ensinar os conteúdos da História. Como se
dar aula de História significasse dar conta dos conteúdos do programa. Ao mesmo
tempo em que detectamos uma série de formas de pensamento, de orientações
existenciais, de expressões de consciências históricas ou mesmo características
gerais da cultura histórica no presente que se apresentam como carências de
orientação, muitas vezes na forma de preconceitos.
Nossa proposta tem
sido a de que os professores de História poderiam, na lógica do que estamos
chamando de educação histórica ou didática da história na perspectiva da
práxis, realizar um processo semelhante a matriz do pensamento histórico
apresentada por Rüsen (2015). Ou seja, o trabalho com a história poderia
começar mais nas demandas e carências de orientação existencial oriundas da
práxis da vida do que em conteúdos, ou pior ainda – competências, previamente
estabelecidos e reforçados por exames de seleção e agências multilaterais.
A aprendizagem
histórica, nesse sentido, pode ser pensada como processo e resultado, em uma
díade que envolve o sujeito e a sociedade, e que o ponto de chegada depois de
um tema discutido na escola pode se tornar novamente um ponto de partida.
Assim, a formação histórica poderá ser pensada na escola como expansões na
quantidade das informações que podem ser trabalhadas, acompanhada da qualidade
do pensamento, processo e resultado de uma aprendizagem que não se expressaria
apenas em respostas formais da educação escolar, mas na formação do sujeito na
relação com os demais na sociedade.
Essas reflexões são
uma tentativa de perceber elementos importantes na relação de ensinar e
aprender história. Não pretendem dar indicações sobre como devemos realizar
essa tarefa, mas auxiliar no processo de compreensão dessas relações. Se tiver
conseguido com isso alguns resultados será interessante. Se o leitor se sentir
provocado a colaborar com as discussões, por adesão ou contraponto, o processo
terá continuidade, e assim, a continuidade da construção coletiva da busca por
melhorias nas relações de ensinar e aprender história.
REFERENCIAS
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Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In.: Para uma educação de
qualidade : Atas da Quarta Jornada de educação histórica. Braga, Centro de
Investigação e educação e Psicologia Universidade do Minho, 2004. p
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BORRIES, Bodo von. (2009). Competence of historical
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canon. In: L. Symcox & A. Wilschut (Eds.) National history
standards and the future of teaching history. Charlotte, NC:
Information Age Publishing. (pp. 283-306). [Tradução realizada por Gisele
Reitow cedida por Rudi Bertoti]
BORRIES, Bodo von. Bodo von Borries, “Exploring the
construction of historical meaning: Cross-Cultural Studies of Historical
Consciousness Among Adolescents”. Disponível em http://www.waxmann.com/fileadmin/media/fs/borries.pdf
Acesso: em 09/04/2015.
FERNANDES,
Lindamir Zeglin. A Reconstrução de aulas de Historia na perspectiva da Educação
Histórica: da aula oficina a unidade temática investigativa. In: Anais do VIII
Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História: Metodologias e Novos
Horizontes. Sao Paulo: FEUSP - Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, 2008.
IBIAPINA,
Ivana Maria Lopes de Melo & FERREIRA, Maria Salonilde. A PESQUISA
COLABORATIVA NA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA. Linguagens, Educação e Sociedade,
n. 12 p.26 – 38, jan./jun. 2005
IBIAPINA,
Ivana Maria Lopes de Melo. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e
produção de conhecimentos. Brasília : Líber
Livro Editora, 2008.
RÜSEN,
Jörn. (2001) Razão histórica. Teoria da história: Os fundamentos da ciência
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RÜSEN,
Jörn. (2014). Cultura faz sentido. Orientações entre o hoje e o amanhã.
Petrópolis: Vozes.
RÜSEN,
Jörn. (2015). Teoria da História – Uma Teoria da História como ciência / Rüsen,
Jörn; trdução de Estevão C. de Rezende Martins. – Curitiba: Editora UFPR, 2015.
SCHMIDT, Maria
Auxiliadora M. S. Aprendizagem da “burdening history”: desafios para a educação
histórica. Mneme Revista de Humanidades. Caicó, v. 16, n. 36, p. 10-26,
jan./jul. 2015. Dossiê Ensino de História.
Olá professor.
ResponderExcluirAchei muito interessante sua pesquisa. Em seus resultados obtidos, os estudantes se envolveram com a temática proposta, havendo interesse em investigarem o assunto em outras fontes, além da obra, dos debates em sala de aula e relato de familiares?
Vânia Farias Ferreira
Olá Vânia,
ResponderExcluirTentei fazer um comentário, mas acho que deu algum erro. Aqui vai outra tentativa.
Em primeiro lugar agradeço a leitura do trabalho. A resposta a sua questão é que sim! eles se interessaram.
Atribuo isso a um elemento principal: a tentativa de construir uma noção de multiperspectividade (RÜSEN, 2015 p. 73). O que quero dizer com isso? Bom... vários assuntos tratados nas escolas já estão de alguma maneira nas consciências históricas de alunos e alunas. Geralmente devido a relação com a Cultura Histórica (e seus aspectos políticos, econômicos, estéticos...).
Na questão do período da ditadura, os discentes costumavam fazer comentários relacionados a opinião familiar sobre o assunto. Nossa tentativa foi apresentar, confrontar essas ideias que já existiam, com novas fontes históricas (livros, fotografias, relatos, depoimentos da Comissão Nacional da Verdade, arquivos do DOPS ...).
Essa multiplicidade de fontes fez com que os alunos e alunas não invalidassem as opiniões anteriores, mas percebessem que elas estavam relacionadas a experiência de pessoas que não tinham um envolvimento mais amplo naquele momento, por exemplo, com relação a política. O que não significa que não teriam sido afetadas pela censura, pela diminuição na possibilidade da política formal etc.
Essa ampliação do conhecimento sobre o período, normalmente fazia com que os alunos e alunas buscassem saber mais sobre o assunto. Foi comum ver e ouvir discentes comentando sobre outras fontes que eles buscaram.
Esse processo está relacionado ao que podemos chamar de formação histórica.
até mais
Thiago Augusto Divardim de Oliveira
Boa noite, professor Thiago!
ResponderExcluirParabéns por seu texto, pois o mesmo reflete com clareza seu trabalho desenvolvido. Houve dificuldades [ou não] durante o desenvolvimento deste trabalho?
Abraços,
Eliane dos Santos Malheiros.
Olá Eliane,
ResponderExcluirO trabalho foi desenvolvido como parte da pesquisa de doutorado. Com certeza algumas dificuldades sempre existem. Mas gostaria de destacar dois pontos que auxiliaram muito a contornar as dificuldades.
O primeiro é a pesquisa em colaboração como metodologia. Se tiver interesse procure as dicussões da professora Ivana Ibiapina, ou a apropriação feita pelo LAPEDUH em relação a essa metodologia. Nesse sentido, preciso destacar também a abertura de espaço para a pesquisa que o professor colaborador do trabalho propiciou.
O segundo ponto é a relação entre a cientificidade, a teoria da história e o trabalho na sala de aula. A possibilidade de encaminhamento de um trabalho em sala de aula subsidiado teoricamente (na perspectiva da práxis) também contribui para uma relação ensino e aprendizagem mais interessantes.
agradeço a leitura e comentário
abraço